domingo, 7 de outubro de 2007

Irritações lusas

Recebo um molhe de revistas portuguesas e vejo como ando desactualizada. Portugal continua a ser um país que me provoca grandes irritações, especialmente a nível da imprensa escrita.
1º - Naquele jornal gratuito que é suposto informar o povinho analfabeto, o Destak, reencontro-me com a editora da minha emb(u)(i)rrância. A Sô Dona Isabel Stillwell volta a largar uma das suas brilhantes pérolas sobre Espanha. Parece que, já que abastecer em Espanha para poupar na gasolina contribui para os índices de poluição desse país, seria um acto patriótico que os portugueses o fizessem. Lembre-se, minha cara, que se a Espanha desaparecesse, Portugal ficava à mercê das vontades fronteiriças dos franceses. Mas, atendendo à manipulação da História que os ingleses tanto gostam de fazer, as invasões napoleónicas devem ser um conceito por si desconhecido.
Esta senhora, há uns anos, fez uma crónica/artigo de opinião/seja lá o que for que ela escreve em que apelidava os espanhóis de arrogantes, mal-educados, gente que grita e sem maneiras. As cartas de resposta foram tantas que a Sô Dona Isabel teve que fazer um pedido de desculpas público. Não se insulta um povo e uma nação gratuitamente sem esperar troco. Se foi a Benidorm e não gostou, na volta deve lá ter estado numa época em que os seus conterrâneos tratam de poluir e vandalizar esta grande nação que deu ao mundo Cervantes e a novela mais perfeita da História da Literatura (não sou eu que digo, são estudos de gente muito mais sapiente). E, para terminar, deixe-me lembrar-lhe que, enquanto a senhora se queixa de que tem que escrever num papelinho ranhoso enquanto está presa no trânsito a comer com os fumos e a imundice de Lisboa, eu escrevo da zona menos poluída da Europa, com campos debaixo do nariz e uma internet de alta velocidade sem fios a 39 euros por mês. Essa zona chama-se Andaluzia, tem o parque natural mais bem conservado da Europa (Doñana) e faz parte dessa Espanha que lhe provoca urticária, por se estar borrifando para a superioridade anglófona de que a sua gente tanto gosta.

2º - Num suplemento dominical do JN/DN, o Gonçalo Cadilhe quer recriar o percurso de Magalhães e escreve sobre Sevilha. Muito bem. Pena é que fale de Sevilha como uma cidade matreira, onde predominam os assaltos e o tráfico de heroina e não se dê ao trabalho de escrever devidamente os nomes dos monumentos.
Sevilha é das cidades mais seguras da Europa. E das mais limpas também. Na calle Bétis, posso andar em segurança às quatro da manhã apenas com uma amiga. Consegue dizer o mesmo do seu Bairro Alto?
Quanto à heroína, engana-se: Espanha é o maior consumidor mundial de cocaína. Que é bem mais chique. E de melhor qualidade que aquela que consegue comprar em Chelas. Mas, se se quiser abastecer, não poderá ir ao dealer em frente à esquadra da Polícia, como no seu bairro: tem que ter juizinho e andar com cuidado, que a criminalidade aqui não compensa. Deve ser a isso que se refere quando fala dos genes exaltados dos andaluzes e do facto de haver uma placa em Sevilha que exalta a nobreza dos espanhóis que partiram com Magallanes, que o senhor jornalista considera arrogância. Não fosse o dinheiro da Coroa Espanhola e ainda hoje pouco se falava de Descobrimentos. Queria que se exaltassem os feitos de quem, afinal? É este nacionalismo patriótico dos espanhóis que é tão comichoso para os portugueses, não é? Ou haverá uma ponta de invejazinha por aí, senhor Cadilhe (este apelido não me é estranho...)?
Quanto aos monumentos, trata-se dos "Reales Alcazares" e não "Reales de Alcazares", como este senhor escreveu, que não são o monumento mais importante de Sevilha, como ele afirma. Ninguém tira esse posto à catedral. Também não conheço a igreja Santa Maria Triana, mas sim a Esperanza de Triana. O mais engraçado é que qualquer roteiro manhoso ali da terra da Sô Dona Stillwell menciona estes nomes correctamente.

3º - O Verde Eufémia é uma coisa vergonhosa. Porém, quando se permite que uma faculdade seja um centro de trabalho de partidos trotskistas, é isto que se pode esperar. Não sei por que é que se critica tanto as faculdades privadas. Já alguém pôs os olhos em certas e determinadas faculdades públicas? Oscilando entre um nicho de fundamentalistas e o Chapitô, saem de lá vândalos deste calibre. Porém, ninguém se atreve a fazer uma reportagem sobre isto, porque os senhores professores estrelas de televisão não iam gostar e lá se ia o empregozinho a recibo verde no jornal, que em Portugal toda a gente tem amigos.

3º - Não me falem mal do Saramago. Esse sim, tem atitude. Deve ser dos maus genes da sevilhana que o encantou, e que gere a sua obra e o seu património de forma devota. Saramago domina as técnicas narratológicas com a maestria de um Eco. Saramago entrança tramas e enredos, ficções e realidades de uma forma tão sublime que temos que recuar a Aristóteles para compreender estes grandes actos de literatura. Não, Saramago não me apaixona, mas vergo-me perante a sua batuta. Porque literatura não é só ter um amigo numa editora e editar umas palavrinhas que nos vêm do coração. Saramago é um mestre da narratologia. Venha quem vier, o Nobel foi muito bem merecido. E a descasca que o Cavaco está constantemente a levar, também. Porém, camarada Saramago, não podia esperar que a cabecinha numérica do senhor Cavaco ousasse defendê-lo quando se tratou da polémica sobre "O Evangelho segundo Jesus Cristo". É que naquela cabecinha dotada para os números há muita missa e pouca literatura. Mas tu, camarada Saramago, podes dar-te ao luxo de virar as costas a um Presidente. Porque és livre em Lanzarote, porque tu e a tua mulher são Filhos Pródigos da Andaluzia e porque tens o tempo de antena que quiseres no Canal Sur, que até te pôs um estudio de emissão em casa. E porque és dono do Verbo, aquele que está no princípio de tudo.
Saramago, as tuas duas páginas diárias são um elixir que perdurará no tempo. Aqueles que te criticam ficarão nos anais da História apenas até que essa mesma História os esqueça.


E com isto me retiro. Tenho ali um jornal desta semana para ler, com as estatísticas de acidentes relacionados com crianças no Reino Unido, a propósito do caso Maddie. E não, não está escrito em português.

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11 Comentários:

Blogger Giuseppe disse...

Não sei se chegaste a ler, mas respondite aqui: http://aberratio.blogspot.com/2007/10/adorei-ler.html

8 de outubro de 2007 às 03:47  
Blogger Yashmeen disse...

My dear Dolphin:

Vindo de ti, é um enorme elogio. Ainda não tinha lido, porque consegues escrever ainda mais rápido que eu, mas fico deveras comovida ;)

8 de outubro de 2007 às 22:29  
Blogger Yashmeen disse...

My dear Dolphin:

Vindo de ti, é um enorme elogio. Ainda não tinha lido, porque consegues escrever ainda mais rápido que eu, mas fico deveras comovida ;)

8 de outubro de 2007 às 22:30  
Blogger Giuseppe disse...

"Sweet Yash.",

Já parecemos o nosso PM e o nosso PR
:

- Você é que tem razão, diz o PM,
-Não, não, é você.

Eu escrever mais rápido? Humildade e bondade tua.

9 de outubro de 2007 às 01:06  
Blogger Azahara disse...

Este comentário foi removido pelo autor.

9 de outubro de 2007 às 02:07  
Blogger Yashmeen disse...

LOL

Tu consegues ser mais rápido que a tua própria sombra a criar posts!

Hughs

9 de outubro de 2007 às 02:49  
Blogger Giuseppe disse...

Este comentário foi removido pelo autor.

9 de outubro de 2007 às 02:51  
Blogger Yashmeen disse...

Essa A. não sou eu LOL
Deve ser a minha alma gémea ou uma esquizofrenia qualquer.
My dear, eu percebi o que tu querias dizer, e que era em relação ao que eu escrevia ;) Acho bem que te expresses de todas as vezes que te apetecer. É sempre um prazer ler-te. O que às vezes é difícil é conseguir estar actualizado em tempo real em relação ao que escreves, devido à velocidade com que publicas ;)
Abraço.

9 de outubro de 2007 às 20:48  
Blogger Giuseppe disse...

tb leio os vossos blogues, parecendo, à primeira vista que não. ando é numa fase "esquizoide". não comento, limito-me a escrever e a endereçar links a partir do meu blog para vcês. por outro lado, não se devem aperceber das minhas visitas. faço-as através do google reader. se activarem o google analytics, aí já me detectam.

bjos.

9 de outubro de 2007 às 21:11  
Blogger Giuseppe disse...

p.s. Discordamos. Para ti, vai o meu veto político quanto à tua última afirmação. Se Pessoa fosse vivo, teria um blog. Necessito e, muito, de escrever, de pintar, de editar, seja música ou escrita.

Referia-me, concretamente, ao que escreves, não aos posts.

10 de outubro de 2007 às 00:50  
Blogger Yashmeen disse...

LOL

Não me vetes, que eu percebi a ideia ;)

Friends, as usual?

;)

10 de outubro de 2007 às 17:53  

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